quarta-feira, 25 de abril de 2018

Ser poeta - Ser professor - Ser filósofo

SER POETA

Ser poeta
é ter o sonar de um morcego
o olhar de uma coruja
e as asas de um condor

porque
o morcego se deixa guiar pelo sonar
a coruja vê na escuridão
e o condor mora nas altas montanhas.

Isabel Furini






terça-feira, 24 de abril de 2018

Preconceito - Conto de Isabel Furini

PRECONCEITO

Joana não gostava dos vizinhos. Considerava-os um casal muito irritante. Quando a vizinha abandonou  Ricardo, Joana o viu no corredor pálido e cabisbaixo. Por compaixão convidou-o para  a ceia de Natal.
– Gosto de música clássica, de ler Proust, de passear pelo Barigui aos domingo.
Joana não podia acreditar! – Eu também! – exclamou.
Deu namoro. Mas só durou um mês. Oposição da família. Guilherme, o neto mais velho, já com 26 anos, não aceitava que a avó namorasse um rapaz mais novo do que ele.


Justiça - Conto de Isabel Furini

JUSTIÇA

– Deus abrirá as portas do Céu para eles? – perguntavam-se os Anjos enquanto pesavam os corações de dois homens.
Para o ateu compassivo, de coração bondoso, Deus abriu as portas do Céu. Fechou-a para o fanático religioso, que, cheio de arrogância e sem compaixão,  julgava-se superior ao ateu e o condenava.


“Ele prosseguiu: Atendei ao que ouvis: com a medida com que medirdes, vos medirão a vós, e ainda se vos acrescentará”. Marcos, 4-24.


Arte - Conto de Isabel Furini


Enlouqueceu depois de muitas exposições sem êxito. Seu trabalho não repercutia na mídia. Abandonou a casa. Começou a morar na rua. Continuou pintando compulsivamente. Era alto, elegante e belo. Meu irmão e eu o observamos enquanto comia. Não parecia um indigente. Tinha a postura de um príncipe. No Natal pintou barcos carregados de presentes nos muros de uma fábrica. Os adultos nem paravam para olhar, mas meu irmão, eu e outras crianças do bairro de operários, admirados, aplaudíamos o artista louco.

Isabel Furini


Fotografiad e Arte digital de Isabel Furini

Surpresa - conto de Isabel Furini

Viajar pelos Andes sozinha! Natal maravilhoso! 
Desci do avião em Lima, peguei um táxi até o hotel. Deixei as malas e fui conhecer a cidade. De repente, um homem vestindo um sobretudo preto. Apressei o passo, ele também.  Atravessei a rua, ele também. Nervosa, fingi olhar vitrines. Despistei-o.

Machu Picchu - Arte digital de Carlos Zemek
Continuei caminhando. Na esquina o vi encostado numa porta. Olhou-me, colocou as mãos nas bordas do sobretudo e o abriu abruptamente. Fechei os olhos. Gritei. Ele disse: – Senhora, vendo canetas, chaveiros, brincos, pulseiras... Abri os olhos, vi objetos pendurados na parte interna do sobretudo. Um vendedor! Respirei aliviada e comprei várias pulseiras.

Isabel Furini

Conto que foi publicado na coletânea "Natal, Viagens e Fantasias".

terça-feira, 17 de abril de 2018

Tambor - poema de Isabel Furini

TAMBOR

O poeta é tiranizado
por rompantes de instintos
e de sentimentos

ao som do tambor
oscila sua mente
e o poeta é arrastrado
pelas águas do inconsciente.

Isabel Furini

Quadro de Carlos Zemek

Isolado - Poema de Isabel Furini


ISOLADO

o poema faz uma marca na ampulheta
(tenta acelerar o tempo)

o poema ama as flores do jardim
mas odeia ficar isolado no caderno
e fazer parte do conjunto de trastes velhos
esquecidos no porão

Isabel Furini


Arte de Isabel Furini

Labirinto de papel - poema de Isabel Furini


Labirinto de papel

sombras sobre o palco
o mundo de papel é destruído
pelas traças
e a realidade quebra a ilusão do mundo

o poeta observa o mundo do avesso
descobre paragens de espanto
avança
desvela o mistério
da criação poética
e dança
no labirinto da subjetividade

nos muros do labirinto
sobrevivem fragmentos do passado
imagens e palavras
e as dúvidas ocultas nas retinas
que em surdina
perguntam sobre amores quase olvidados.

Isabel Furini

Quadro de Carlos Zemek

As Nereidas e os Corvos - poema de Isabel Furini

AS NEREIDAS E OS CORVOS


a dama (da ma)drugada
chama um poeta
para poetizar as nuvens
e as ondas do mar
e às belas Nereidas
e cantar às profundezas


o mar respira e as Nereidas cantam
mas as gaivotas (des)mentem
as palavras veementes
dos duendes
(do outro mundo)

gaivotas e corvos
são amigos no mundo astral
mas somente as Nereidas
guardam as palavras de um mágico funeral

enquanto as Nereidas cantam
os corvos crocitam
aos ouvidos humanos poemas puros e sagrados
que serão cinzelados no momento final.

Isabel Furini
Arte digital de Carlos Zemek


(a) mar - Poema de Isabel Furini

(a)mar

amar o mar
(a)mar
viajar
com as ondas
(s)ondas
para reconhecer
nas profundezas
a alma em calma
(c)alma
(calma-alma)
na infinita viagem.

Isabel Furini

Obra de Carlos Zemek

sábado, 14 de abril de 2018

Viver - conto

Doroteia, sempre recatada, começou a mudar. Aos cinquenta e oito anos, idade em que outras mulheres abandonam a vaidade e deixam crescer a barriga, a Doroteia, pelo contrário, começou a comprar roupas mais modernas, coloridas, alguns decotes, bijuteria. Ficou muito vaidosa. Passava horas no shopping. Queria dançar. Decidiu viajar ao Havaí no Natal para dançar hula-hula. Suas amigas acharam sua atitude estranha, criticavam-na. Mas Doroteia não desistiu. Ela fez a sua viagem, voltou com um namorado dez anos mais jovem do que ela, de cabelo grisalho, homem muito charmoso.

As amigas deixaram de criticá-la e começaram a imitar o seu comportamento. Como bem dizem os americanos, nada tem tanto êxito quanto o êxito.

Isabel Furini

Fotografia de Isabel Furini

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...