quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A aula de crônicas e o jogo de pôquer (Crônica de Isabel Furini)


Procuro nas agendas antigas, esquecidas em alguma estante, entre livros, as frases anotadas na Oficina de Crônicas, que o premiado escritor José Castello ministrou em 2007, em Curitiba. Encontro-as e leio uma frase: “O cronista com seu olhar afeta a percepção dos acontecimentos”.

Caminho até a cozinha para fazer um chá de morango. Coloco água numa chaleira e ligo uma das bocas do fogão. Enquanto a água esquenta, caminho até a sala no final do corredor, ligo o computador e abro o e-mail de uma amiga que está aprendendo a jogar pôquer. Ela comenta que os jogadores se dividem em agressivos e passivos. Igualzinho aos cronistas! – penso.

O jogador de pôquer também deve ser hábil na “seleção de mãos iniciais”. Alguns são conservadores, outros, ousados. Mais uma característica que os jogadores de pôquer e os cronistas compartilham.
Respondo o e-mail e corro até a cozinha. Volto com uma xícara com florzinhas amarelas, dentro dela o gostoso chá de morango.

Arte digital de Isabel Furini

Minha amiga responde imediatamente enfatizando que o pôquer é um jogo de inteligência e exige sensibilidade. Para ganhar é preciso decifrar, decodificar, ter postura, movimento das mãos, dos pés, olhares, a linguagem do corpo.

Para mim a ideia de decodificar ou decifrar é mágica. A frase de Castello, “O cronista com o seu olhar afeta a percepção dos acontecimentos”, e a atitude do jogador de pôquer se unem na minha mente. Jogadores de pôquer devem criar boas estratégias. E os cronistas? Também criam estratégias para tornar o texto leve e sedutor, enquanto denunciam os erros da sociedade, a frivolidade dos costumes, os preconceitos econômico-sociais, raciais, sexuais e outros.

Além de saber embaralhar e blefar, é preciso descobrir padrões de comportamento. “Ler” os outros jogadores. Os movimentos dos outros apostadores devem ser monitorados. O olhar do jogador precisa adquirir a acuidade de uma câmera de televisão. Precisa de um bom enquadramento. De foco e nitidez. Nada pode escapar ao olhar do jogador.

O professor de minha amiga disse que durante o jogo a atenção deve ser total. O cérebro precisa criar novas sinapses para perceber pequenos gestos, tiques nervosos, mudanças no olhar, na voz, na respiração. Os movimentos quase imperceptíveis do pescoço, dos lábios, das pernas, dos pés. O jogador deve treinar sua atenção. Mapear cada movimento do opositor.

Os grandes jogadores não contam só com a sorte para ganhar. A chamada “sorte de principiante” tem um curto prazo de validade. O jogador experiente percebe detalhes. Por que essa pessoa morde os lábios? Aquele levanta as sobrancelhas ao ver as cartas, enquanto o outro suspira? Um abaixa a cabeça, aquele sorri, o outro agita os joelhos. Alguém se mexe na cadeira, o outro olha a parede. Um piscar de olho, engolir saliva, mexer o anel, nada passa despercebido para o bom jogador.

O jogador de pôquer e o cronista têm algo em comum, ambos sabem realizar uma leitura detalhada das pessoas. Aprenderam a ler o mundo. O jogador porque quer ganhar, o cronista porque deseja passar suas impressões, seu olhar para os leitores – esse olhar capaz de afetar “a percepção dos acontecimentos”. Depois de ler uma crônica sobre um fato banal, o fato pode adquirir outra dimensão na mente do leitor.

Decifrar as pessoas, decodificá-las para escrever crônicas que realmente impactem, sensibilizem e ajudem a ressignificar os acontecimentos, a modificar a visão do mundo. Afinal, essa é a função do cronista, ou não é?

Isabel Furini

terça-feira, 27 de novembro de 2018

O Povo: Sedução Arquetípica


O POVO: SEDUÇÃO ARQUETÍPICA

o povo é seduzido pela voz dos arquétipos
(dorme em seu interior a voz ancestral, primitiva, tribal)

sob o domínio do instinto arcaico o homem é boneco
(de madeira ou de pano)
o poderoso instinto – com gesto de cacique
permanece dono do trono da psique

por isso o homem reza nas igrejas e sente a bondade
criando raízes em seu coração
mas é arrebatado pelas emoções
pelas forças do ódio e do rancor

o Deus de amor permanece na cruz
será possível que o coração dos homens
permaneça aconchegado na luz?

Isabel Furini

Foto de Isabel Furini - esculturas da cidade de Kirkland.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Somos ou não somos? - Poema de Isabel Furini


SOMOS OU NÃO SOMOS?

Por que amaldiçoar os fantasmas
que moram no muro das lembranças?

é inoperante imprecar contra cactos e espinhos
carrascos das mãos
(das egoístas e das generosas)

por que chorar sobre as horas do passado
- dunas do tempo
que avançam sob o vento sem deixar rastro

Somos e não somos – dizia Heráclito

prisioneiros do devir
vivemos criando fábulas
e depois de mortos
até as fábulas são desintegradas

porque somos por pouquíssimo tempo
e depois
não somos, não somos, não somos.

Isabel Furini

Fotografia de Isabel Furini

A vida é uma gangorra (Poema de Isabel Furini)

Fotografia de Isabel Furini
A VIDA É UMA GANGORRA

vivemos em um mundo de tristeza
e de insanidade
no qual as fantasias se entrelaçam
com a realidade

nada é eterno

fazem parte desta vida
os avanços e os recuos
é preciso no caminho
pular sobre as pedras e os muros

com imagens e palavras
podemos mudar o futuro
e até mudar o passado
nada é definitivo: nem o sucesso nem o fracasso

a vida é uma gangorra
hoje estamos no chão?
mas com coração de aço
(vencendo qualquer cansaço)
é possível transformar em triunfo qualquer fracasso.

Isabel Furini

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Arte - Poema de Isabel Furini

ARTE

provocação a primeira vista
o passado com vestígios de sonhos e agressão
(o arcaico dançando na psique)

as marcas da caverna avançam no casulo do tempo
formas exiladas ente as sombras da noite
o visitante intui significados
mas a razão os descarta

o visitante olha entre admirado e confuso
as figuras estranhas e perturbadoras
sente-se um Neandertal
diante do fogo da criatividade

Isabel Furini

Obra de José Antonio de Lima

O Mundo das Parcas -

O MUNDO DAS PARCAS

oscilam as linhas
formas enganadoras
criadas como artificio
para emudecer a razão

a estética emociona
induz ao pensamento mítico

um instinto primitivo reflete
medos angulares
oráculos de morte
o selvagem ainda sobrevive no homem
e deseja expressar-se

multifacético - o mundo encanta
(o universo de José Antonio
tece e destece as grades da ilusão)


Isabel Furini

Obra de José Antonio de Lima

Travessia Poética (Poema de Isabel Furini)


TRAVESSIA POÉTICA

desce as pálpebras
analisa as palavras
e canta seus versos
no silencioso espaço de sua alma

acordam palavras adormecidas
e o poema pula da cabeça
e no caudaloso rio da singularidade
escolhe palavras
mergulha em metáforas
e invade a caneta.


Arte Digital de Carlos Zemek


Poesia: Função


POESIA: FUNÇÃO

a solidão avança entre espelhos quebrados
e se alimenta de exílios voluntários
por isso precisamos da poesia
– a poesia auxilia e nos salva dos naufrágios

a poesia nos ajuda a abrir as asas

ela coloca em nossos olhos
os reflexos dos espelhos
e o brilho incandescente da esperança.

Isabel Furini

Fotografia de Isabel Furini

Bússola - Poema de Isabel Furini


BÚSSOLA

atordoado escreve um poema
e olha a bussola
a bússola enlouquecida
navega
(sem descanso)
rumo ao local da alegria e da eterna primavera

o poeta sonha com corvos agoureiros
observa lágrimas nos olhos dos anjos
e nos olhos das gaivotas
e percebe nas cartas do tarot o seu destino hostil

poetiza e compreende o propósito da Poesia
:
ser navio para os náufragos
e bengala na escuridão
pois a Poesia auxilia o homem nos momentos de infortúnio
a Poesia mitiga a dor e reinventa a vida

Isabel Furini
San Francisco, Califórnia, USA - Fotografia de Isabel Furini

Cativo - Poema de Isabel Furini

CATIVO

poetizar com a mente?
com as vísceras?
com os olhos?
com o coração?

é inútil tentar fugir do poema que fascina
ou fere
que alegra a alma
ou ajuda a preencher a solidão

porque a Poesia é água benta e cordura
mas também é escuridão.

Isabel Furini

Orfeus - Escultura de Rodin - Museu de Arte do Condado de Los Angeles

Projeção Poética

PROJEÇÃO POÉTICA

a solidão asfixia a alma e surge o poema

o poema foge da ponta dos dedos
e gesticula
cresce nos interstícios das palavras
e nas sombras projetadas pelo silêncio
serpenteia sobre as calçadas de pedra
onde cantam as gárgulas
pula os muros
e caminha sobre as águas do mar
onde dançam os bêbados, a gárgulas e os homúnculos.

Isabel Furini
Fotografia de Isabel Furini - San Francisco, Califórnia- USA

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O Esquilo (poema infantil de Isabel Furini)



O ESQUILO

O esquilo sobe na árvore
e logo desce rapidamente,
pois esse pequeno roedor
não é molenga. Não senhor!

É elegante como um dançarino,
E com graça come a noz.
Ele é muito pequenino,
Mas quando corre é veloz.


Isabel Furini

Fotografia de Isabel Furini - Los Angeles, Califórnia.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Amigo? - Poema de Isabel Furini



AMIGO?

Quando um amigo conspira
ou fala mentiras
é hora de redesenhar caminhos
e de dizer adeus
(sem ira)

porque um amigo confidente é como uma xícara
a xícara está trincada?
então é preciso conseguir outra xícara
sarar as feridas
e  reiniciar a jornada.



Isabel Furini

Fotografia de Isabel Furini


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