sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

PAI “ASSASSINA” LAPTOP DA FILHA (Crônica)

NOTÍCIA: Pai de adolescente norte-americana dá nove tiros no laptop dela por 'malcriação' pelo Facebook.

No início do vídeo podemos ver que, além do enorme chapéu, ele está fumando (bom exemplo para os filhos), e tomado de violência porque foi denunciado no Facebook, segundo ele, injustamente, dá nove tiros no laptop. Não duvidamos de que deva ter assustado a moça. Talvez uma advertência velada, a próxima vez vai na tua cabeça, filha. E ainda a maioria das pessoas “curtiu” e aplaudiu esse fato bizarro, essa prepotência do pai, essa violência desnecessária.

Talvez a menina mentiu ao dizer que foi obrigada pelo pai e pela madrasta a realizar tarefas pesadas na casa, pois, segundo o pai, ela só arruma a própria cama e lava a própria roupa. Não sabemos quem está mentindo, ainda que filhos de pais violentos tenham tendência a mentir, a fantasiar. Não sabemos se a menina é bem tratada nessa casa, nem se o pai é capaz de dialogar com a filha. Só sabemos que as pessoas estão cansadas e estressadas, de “pavio curto”. Só a neurose coletiva pode aplaudir para um pai neurótico que atira no laptop da filha.

E essa admiração pela violência é comum, afinal os filmes e as séries de TV criam ídolos violentos, homens que, em vez de falar, socam e espancam.
É só guardar o laptop, dizer que ela não usará até melhorar a sua conduta. Essa violência do pai não estará revelando uma violência maior? E por que precisa gravar um vídeo? Nada disso é normal. O assunto é bizarro. Uma filha que talvez esteja mentindo e um pai punitivo. E a maioria aplaude um pai que atira no laptop. Esperemos que seja só no laptop, porque os Estados Unidos é recordista em atiradores malucos.

Só podemos agradecer a Deus por não ter um cretino desses como pai, nem vizinho que se comporta desse jeito. Eu não ficaria tranquila se soubesse que meu vizinho atirou no laptop da filha. Essa demonstração de força não estará revelando de outras violências? Será que os dois, pai e filha, não precisam de terapia? Ambos deveriam visitar um psicólogo e ver se dá para se entender fora da mídia. E sem armas.

Crônica de Isabel Furini publicada no ICNews.
Isabel Furini - e-mail:isabelfurini@hotmail.com

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

DIOGO O PATINHO FEIO (Conto infantil)

   

 

 



 

 

 

 

 

CONTO DE ISABEL FURINI

Patinho Feio, se tocar minhas revistas vai apanhar. 

– Patinho Feio, se mexer na minha bicicleta vai levar chute. – Patinho Feio, fora do meu quarto! Marcelão era o irmão mais velho e sentia prazer, verdadeiro prazer em ofender Diogo, o caçula da família. Na verdade, ninguém o chamava de Diogo, todos o chamavam pelo apelido de Patinho Feio: os vizinhos, os amigos, a família. Achavam que era um menino diferente. Coitado! Era magricela, com aqueles braços e pernas fininhas, como cordas de pular ou talharim. Até a empregada tinha pena dele. Diogo não era feio. Seus olhos eram claros e seu olhar inteligente, mas a sua voz, um pouco aguda, incomodava os irmãos, dois grandalhões arrogantes, estrelas do futebol na escola. Diogo, além de magricela, além de desengonçado, era ruim de bola. Susana, a mãe, também o achava estranho. Ela nunca disse nada. Queria na verdade ajudar o filho, mas nem sabia o que fazer. Em um domingo de manhã, dona Susana arrumava a cama de Diogo quando algo embaixo do colchão chamou sua atenção. Correu para mostrar ao pai do menino. – Sabe o que encontrei embaixo do colchão do Diogo? – Uma revista de mulher pelada!? – perguntou o pai. – Não, claro que não! Olhe! Diogo escreveu um caderno inteiro de poesias e escondeu debaixo do colchão. – Escute este poema: Marcelão, o Troglodita. Meu irmão o troglodita, sempre comilão, queria engolir as asas de um avião com batatas frita e macarrão. – Poesias, Susana, poesias – esse menino precisa de mais garra, mais raça! De nossos quatro filhos é o único que não quer jogar futebol – reclamou o pai. E era verdade. Até Miranda, a irmã de Diogo, estava na equipe feminina de futebol. Mas o Patinho Feio, digo... Diogo, vivia a sonhar, gostava de ler, de escrever poemas e também era viciado em computador. Um verdadeiro nerd! – comentava Marcelão. – Sou o único intelectual desta casa – reclamava Diogo para seu amigo Guilherme. O computador foi o presente que mais apreciou na vida. Presente de aniversário do tio Roberto. O quarto de Diogo era pequeno. O quarto maior era da Miranda. Ela guardava todas as bonecas e bichos de pelúcia que tinha ganhado desde bebê. Seu quarto tinha estantes e mais estantes com bonecas. Já os quartos de seus irmãos Marcelão e Jaime eram do mesmo tamanho. Eram quartos desordenados, roupas no chão e bolas de futebol, vôlei e basquete por todos os cantos. O quarto menorzinho ficou para Diogo, um quarto cheio de livros e brinquedos de montar, além do computador. – Família de esportista é chata! – pensava Diogo, deitado na sua cama. Percival, o gato branco, estava deitado ao seu lado. Diogo não tinha com quem conversar, até a mãe achava estranho que Diogo só gostasse de desenhar e fazer rima. “Coloca o boné.”, pedia a mãe. Diogo respondia: “Boné é para Saci Pererê”. Se a mãe dizia: “Hoje vamos comer rabada”. O Diogo inventava: “Meus irmãos vão comer rabada e depois vão jogar uma pelada”. – Jogue pelada você também – pedia o pai. – Eu não jogo peladas, porque nas peladas os maiores dão pancadas e os pequenos machucam os joelhos e doem como facadas. Quando a mãe o mandou ao mercado para comprar um pé de alface para a salada, Diogo começou a inventar: “O pé de alface jurou que chutaria quem se aproximasse.” Por essa sua mania de fazer rima, os irmãos não gostavam dele e o chamavam de Patinho Feio. Era “Patinho Feio, não amola! Patinho Feio, saia de meu quarto! Na sala da casa, perto do sofá azul, havia um móvel de madeira lustrosa com estantes cheias de troféus conquistados pelos seus irmãos esportistas. Diogo nunca havia ganhado um troféu. Ele era diferente. A mãe tentava entendê-lo, mas tinha tanto trabalho. Ir ao mercado, fazer a comida e à tarde ajudar o pai no escritório. Os pais trabalhavam, os irmãos iam ao clube e o Diogo ficava em casa. Nesses dias tinha lido vários poemas e estava inspirado. – Não conte para ninguém, Guilherme, mas eu quero ser escritor – confessou para seu melhor amigo. Na terça-feira, os irmãos saíram e Diogo ficou em casa. Só estavam a empregada e ele. “Quero que limpe o porão”, tinha pedido dona Susana depois do almoço, antes de sair para o trabalho. – A casa é muito grande, senhora, não sei se vai dar. – Por favor – pediu dona Susana – Deixe a roupa para passar amanhã. – Tchau, Patinho Feio – disse Marcelão, entrando no quarto de Diogo sem bater, rápido como uma ventania, e pegando da gaveta do criado-mudo a última mesada que sua mãe lhe dera. – Esse dinheiro é meu! – gritou Diogo. – Venha pegar então! Venha que vai receber um soco. Tchau, Patinho Feio. Faça karatê em vez de escrever poemas e poderá defender sua mesada, bobão. Marcelão e Fernando desceram as escadas correndo. Diogo ficou triste. Sentia-se bobão mesmo! Já fazia tempo que seu irmão pegava emprestada quando queria a sua mesada. Só que não devolvia. Quando terminou de lavar os pratos, Tânia desceu ao porão e Diogo foi atrás. Fazia dez anos que Tânia trabalhava na casa. Cozinhava bem, mas era respondona e mal-humorada e não suportava as reclamações do Diogo: “Marcelão é abusado. Um grandalhão metido a besta”. – Seus irmãos não vão mudar, você tem que mudar – afirmou Tânia. Diogo não disse mais nada. Ficou vasculhando no porão. Na velha arca escancarada, em caixas. Nela tinha de tudo: revistas antigas, vestidos, latas de tinta, pincéis, cortinas, jornais, um baú com álbuns de fotografias antigas e até livros. Com as folhas úmidas, amareladas, encontrou um livro de capa azul: “Poemário” de um tal de Diogo Armando Walter da Silva. Abriu-o e deleitou-se lendo os poemas. – Você sabe quem foi esse Diogo? Foi o avô de sua mãe, ou seja, seu bisavô. – Como sabe? – Eu trabalho nesta casa desde antes de você nascer. “O livro de meu bisavô...”, pensou Diogo e sentiu-se feliz. Ficou mais feliz ainda quando Tânia aproximou-se com uma caixa de papelão. – Olhe! – ordenou. Diogo abriu-a. Havia seis troféus, algumas medalhas e vários diplomas de seu bisavô. Os diplomas estavam um pouco comidos pelas traças, mas os troféus e medalhas estavam em boas condições. Um pouco escurecidos pelo tempo. Diogo foi até a lavanderia e pegou o limpa-metais. Passou a tarde lendo e limpando os troféus e os medalhões do bisavô materno. Quando seu amigo tocou a campainha, Diogo desceu correndo e falou dos poemas e dos troféus. – Puxa vida! – exclamou – como gostaria de ter conhecido o único poeta da família. No horário do jantar as conversas de sempre: esportes. – Mãe, vi livros, troféus e medalhas de Diogo Armando Walter da Silva. É verdade que ele foi meu bisavô? – Ah! Você achou... Sim, ele era meu avô – disse a mãe – eu gostava dele, lembro que uma vez fez um poema para mim. Depois do jantar a família reuniu-se na sala para assistir televisão. Diogo ficou com a mãe na cozinha olhando as fotografias e perguntando sobre o bisavô poeta. – Como ele conseguiu ganhar tantos concursos? – Ele era um bom poeta – disse a mãe saudosa. – Mas ficaram os livros, as medalhas, os troféus! – exclamou Diogo entusiasmado. No dia seguinte, na escola, Guilherme e Diogo decidiram criar um blog. Uma semana depois, ao voltar da escola, Marcelão pediu: – Patinho Feio, você sabe fazer poemas com anáfora? – O que é uma anáfora? – Anáfora é repetição da primeira palavra em várias frases consecutivas. Por exemplo: O céu é bonito, o céu é azul, o céu está nublado... – Já entendi. Eu não sabia que essa repetição se chamava anáfora. – Você sabe fazer isso? – perguntou o irmão, e Diogo foi ao seu quarto e voltou com um caderno de poemas que ele mesmo tinha escrito. – Vou ler, Patinho Feio, depois te devolvo. Marcelão escolheu um poema, copiou no caderno e levou para a escola. VER DE VERDE Inspirado em Verde-negro de Mário Quintana Verde Ver de perto Ver de longe Ver de lado Ver de trás Ver de frente Ver o verde Perto da gente. – Quem fez as tarefas? Quero ver os cadernos! – ordenou a professora. Marcelão, contente, entregou o caderno. A professora leu e achou muito bom. – Inspirado num poema de Mário Quintana? Marcelo, eu não sabia que você lia Mário Quintana. E o que pode dizer dele? Marcelão ficou de pé, em silêncio. Todos os olhares para ele. – Professora, o Mário Quintana foi extraordinário. Extraordinário! Um grande poeta, professora... A professora ficou feliz com a resposta. Ela também admirava Quintana. Levou o caderno do Marcelão para a diretora. A diretora gostou do poema e o apresentou num Concurso de Poesia para alunos do Ensino Fundamental. Na segunda-feira, quando a professora entrou na sala de aula e solicitou para Marcelão ir à diretoria, um murmúrio espalhou-se. – O que fez desta vez, Marcelão? – perguntou seu amigo Roque. Marcelão sentiu a boca seca. “Estou enrascado”, pensou. Quase desmaiou quando a diretora o parabenizou pelo poema. O poema era de Diogo, mas sabia que, se confessasse que tinha pegado o poema do irmão, seria castigado. Dona Susana estava trabalhando na contabilidade da empresa quando recebeu uma ligação da escola. A própria diretora explicou que Marcelo havia ganhado um concurso de poesia. Dona Susana era uma mulher inteligente e conhecia os seus filhos. “Marcelão, escrevendo poemas? Hummm...”. Ela suspeitou imediatamente, mas não disse nada para a diretora. À noite, depois do jantar falou: - Marcelo, eu não sabia que você escrevia poesia. Marcelão ficou sem jeito, não sabia o que dizer. “Eu... eu... eu...”, gaguejou. – Você roubou os poemas do Diogo? Marcelão negou várias vezes, mas por fim confessou que realmente tinha se apropriado dos poemas do Diogo. – Eu precisava tirar 10 e... e... nunca pensei que o poema iria ganhar o concurso estadual. Isso complicou tudo, mãe. – Você sabe o que é certo e o que é errado. Ninguém pode pegar o trabalho de outro. Fazer as tarefas da escola é sua responsabilidade, filho. – Você vai ligar para a escola e dizer a verdade? – Não, não sou eu quem deve ligar, pois não fui eu que peguei os trabalhos do Diogo. Você sabe o que deve fazer... e espero que faça o que é certo! – enfatizou a mãe. Marcelão ficou pensando, pensando... sem atrever-se a tomar alguma atitude. Duas semanas depois, os organizadores do concurso fizeram uma visita à escola. Todos os alunos, os pais, os professores, até a turminha do pré, todo mundo foi reunido no pátio. Um senhor de terno escuro e gravata fez o discurso. Por fim, o Marcelão e a mãe foram chamados ao palco. A diretora deu o microfone para ele. As mãos do menino tremiam. Marcelão sorriu, meio envergonhado, e começou a ler o poema: “Verde. Ver de perto/ ver de longe...”. Fez silêncio. Olhou a mãe. Olhou os companheiros e disse: - Desculpe, pessoal, eu não sou o poeta! Esse poema foi feito pelo meu irmão caçula, o Pati... Diogo. Diogo é o verdadeiro poeta da família. Eu sou esportista. Comentários, murmúrios. A diretora ficou chocada. O homem de gravata que tinha feito o discurso mexeu a cabeça para os lados em sinal de reprovação. A mãe solicitou o microfone e falou: – Pessoal, meus filhos são todos esportistas, menos Diogo. Ele gosta de fazer poemas. Diogo não é esportista, mas é um poeta maravilhoso e estou orgulhosa dele. – Também tenho orgulho do Marcelo – continuou – pois acho que Marcelão, como os amigos o chamam, foi muito valente ao confessar para vocês que o irmão é o autor do poema. Todos cometemos erros e, na minha opinião, o importante é ter a coragem de reconhecer os próprios erros. Os alunos aplaudiram. A professora acompanhou Diogo ao palco. Aplausos novamente. Até o irmão Marcelão bateu palmas. Assim foi como o Diogo, com oito aninhos, ganhou seu primeiro troféu, que está numa estante na sala da casa. O Diogo falou para os pais: Meu troféu está numa estante, E sabem o que é mais importante? Eu antes era um Patinho Feio, Agora sou um poeta aplaudido no recreio. *** Isabel Furini é palestrante e escritora, autora da coleção “Corujinha e os Filósofos”, da editora Bolsa Nacional do livro. e-mail: isabelfurini@hotmail.com

O macaco leitor (poema infantil)



O macaco está alegre todo dia,
pula e brinca,
bate palmas e assobia,
come banana e amendoim,
mas antes de dormir
realiza a leitura
de algum livro infantil.

Texto de Isabel Furini (e-mail:isabelfurini@hotmail.com)
Foto e edição de Carlos Zemek - http://conectou.net/

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Boneco de neve (poema infantil)





O boneco de neve
é de chocolate branco, cremoso.
E é muito gostoso!

O gorro e a echarpe são de morango,
a neve é de coco ralado,
os braços são de brigadeiro,
os botões são de avelã com chocolate preto.

O bolo enfeitado é muito apreciado
nas festas do final de ano.
Viva o NATAL!!!


Poema de Isabel Furini, e-mail: isabelfurini@hotmail.com.
Isabel é autora de "Joana, a Coruja Filósofa" da editora Sophos.

Desenho: GOTARO (CÉSAR MERINO RODRIGUEZ) Gotaro trabalha como ilustrador autônomo em Madri, Espanha, e-mail:gotaro.cm@hotmail.com

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Minha bicicleta (poema infantil de Isabel Furini)













Tlim... tlim... tlim...
Ando de bicicleta,
Sinto que sou grande
E não sou careta.

Tlim... tlim... tlim...
Ando pelas ruas,
Ando pelo parque.
Na minha bicicleta,
Vou fazendo arte.

Tlim... tlim... tlim...
Um cachorro late,
Eu avanço rápido.
Pedalo e pedalo.
E quando acelero
Sinto-me um herói.

Tlim... tlim... tlim...
Tlim... tlim... tlim...
Nada é melhor
Que ser um ciclista,
Sou um esportista,
Eu sou o maior!

Poema de Isabel Furini - e-mail: isabelfurini@hotmail.com

Ilustração de Marco Teixeira do Estúdio Teix -Fone: 3018-2732.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Crônica: A língua não tem ossos



Falam que a língua é incansável, dizem que a causa é por ela não ter ossos. Mas esse constante trabalho que algumas pessoas dão à língua, mover-se sem pausa ou mover-se e articular palavras em momentos inoportunos, sempre chamou a atenção dos filósofos, literatos e outros observadores do comportamento humano.

Atribui-se a Esopo, o fabulista grego, uma pequena história sobre um rei que solicita a seu conselheiro uma comida especial. Essa comida deve conter algo capaz de elevar o homem, de criar amigos, de cimentar a fraternidade, de levantar impérios. O conselheiro vai até a cozinha e solicita aos cozinheiros que sirvam para o rei um guisado de língua. Dias depois o rei chama novamente o conselheiro e, dessa vez, solicita o contrário. Ele quer uma comida composta de um elemento capaz de destruir amizades e famílias, capaz de derrubar impérios. O conselheiro vai até a cozinha e solicita aos cozinheiros que sirvam ao rei um guisado de língua. Pouco se sabe sobre a vida de Esopo.

Viveu no século VI A.C., e conta-se que ele teria sido condenado à morte depois de uma falsa acusação de sacrilégio. A palavra falsa teria causado a sua morte. Não sabemos se é verdade, ou se é simplesmente um fato criado pela imaginação popular.

Mas isso ajuda a pensar sobre o poder das palavras! As palavras podem ofender ou elogiar, criticar ou apoiar. As palavras podem difamar ou enaltecer. Passar de boca em boca, guiadas pelas escuras intenções dos fofoqueiros. Pode defender o inocente.

Pode induzir à justiça ou à injustiça. As palavras podem despertar amor ou ódio, até podem matar. Algumas vezes, quando criança, eu cheguei a pensar que as palavras viviam em um mundo paralelo e pulavam para a Terra com alguma função: construir ou destruir. Por isso sempre admirei Esopo, que com uma simples fábula conseguiu destacar esse poder humano. E nossa civilização, que tanto valoriza a comunicação, talvez devesse refletir mais sobre o poder das palavras, seu alcance e seus efeitos.

Isabel Furini é escritora e palestrante, autora de “O Livro do Escritor” do Instituto Memória. Orientará as oficinas de romance, quintas-feiras, e de conto e crônica nas terças no horário da tarde. Maiores informações pelo fone (41) 3225-6232.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Narigudo e estuprador (Crônica de Isabel Furini)

Eu tinha 17 ou 18 anos quando decidi fazer um curso de datilografia – ainda era a época da máquina de escrever. Procurei um lugar perto da minha casa. Ficava a seis quadras e tinha que passar por uma fábrica com um longo paredão. O lugar assustava um pouco.

Ao me inscrever, a professora disse que tinha poucas máquinas e no momento só tinha livre o horário das 8 às 9 horas, mas qualquer vaga que abrisse para as 10 ou 11 horas ela a reservaria para mim. Eu aceitei.

Minha rotina de terças e quintas era acordar, tomar banho, um café rápido e correr para o instituto de datilografia. Saía de casa às 07h45min, pois gostava de chegar cedo e pegar a melhor máquina. Era inverno, amanhecia com o céu de cor cinza escuro. Nesse horário ainda as lojas não haviam aberto e havia poucas pessoas na rua.

Esse fato não tranquilizava minha mãe, especialmente porque havia sido noticiado pela televisão que um estuprador atacava mulheres jovens e bonitas (ele é estuprador, mas não é bobo, tem bom gosto, brincavam as pessoas). Pois bem, qualquer mãe acha os seus filhos bonitos. E a minha não era diferente.

Os vizinhos só falavam do estuprador, porque uma moça de um bairro perto havia sido atacada por ele com uma faca, mas conseguiu escapar graças a um casal que estava na rua e correu para ajudá-la. Ela disse que o homem tinha uma parte do rosto coberta por uma echarpe preta e era narigudo.

– Cuide-se! Ordenava a minha mãe quando eu saía de casa. – Fique de olho, de vez em quando vire-se para observar se não está sendo seguida por alguém.

Eu caminhava pela rua olhando para os lados, às vezes virando a cabeça, e se alguém se aproximava, eu atravessava a rua. Até que em uma manhã muito escura, o céu cinza ameaçando chuva, eu caminhava atenta para o lado do muro da fábrica quando vi de supetão um homem virando a esquina.

Ele vinha na minha direção. Percebi imediatamente a echarpe preta cobrindo-lhe a boca. E o nariz enorme! Meu coração pulou do peito. Minhas pernas tremiam. Olhei para atravessar a rua, mas vinham carros em alta velocidade. Eu fiquei parada sem saber o que fazer. O homem se aproximava rapidamente. Quando estava a poucos passos de mim, colocou a mão no bolso do paletó. A imagem de uma faca se formou na minha mente. Soltei um grito e pulei da calçada para a rua, ficando ao lado do meio-fio. O homem, calmamente, tirou um lenço do bolso e assoou o enorme nariz.

* Isabel Furini é escritora e poeta premiada, autora de "O livro do escritor". Orienta oficinas no Solar do Rosário para pessoas que desejam escrever livros de contos, crônicas e romances. (41) 3225-6232.


Desenho de Gotaro.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Formas da vida



Feixes de gases cósmicos
(intensos)
na cáustica superfície
de um buraco negro.
Transformação alquímica
do espelho do tempo.

Poema de Isabel Furini, inspirado na pintura Formas de Vida de Carlos ZemekPara ver outras pinturas de Carlos Zemek clique aqui

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

CURRICULUM DE MÃE OU PROFISSIONAL?

Essa é uma dúvida que carrego há tempo. É algo que chama minha atenção e que me deixa com uma pergunta entre os lábios: Por quê?

Estou me referindo ao fato de ter observado em currículos para livros, palestras, cursos, e outros, que as mulheres misturam os dados pessoais e os dados profissionais. Percebi ao longo dos anos que algumas mulheres colocam frases como: esposa e mãe, ou avó do Dieguinho e da Mariazinha.

Nunca vi um currículo profissional masculino dizendo: sou esposo e pai, ou sou avô do Dieguinho e da Mariazinha. Parece que enquanto os homens se orgulham do fato de serem altamente profissionais, as mulheres querem comover dizendo que são esposas, mães ou avós. Um psicólogo amigo disse-me que isso é manipulação. Um intento de tocar o coração dos outros. Segundo ele, essas mulheres têm medo de não ser suficientemente boas na área escolhida. Escrever no currículo profissional “sou esposa e mãe”, ou “sou avó” seria uma forma de apelo emocional.

Isso me faz lembrar uma tira cômica da Mafalda do cartunista Quino. Susaninha, a amiga esnobe da Mafalda, e outro menino vão começar a jogar xadrez. Susaninha está sentada com uma boneca nos braços, olha para o menino e grita: Você não vai se atrever a derrotar uma mãe, vai?

Na minha opinião, e posso estar errada, se uma mulher coloca no currículo profissional que é esposa e mãe, não acrescenta nenhum dado importante para o trabalho que desempenha (sempre que o trabalho não for cuidar de crianças ou afins).

Além disso, sejamos honestos, depois dos 30 anos, o mais comum é que as mulheres sejam esposas e mães, como os homens, esposos e pais. Depois dos 60 anos, o mais comum é que as mulheres sejam avós.

Durante tanto tempo as mulheres lutaram para ter um lugar ao sol. Lutaram e ainda lutam para serem profissionalmente reconhecidas, por que, então, ao escrever um currículo, não respeitar os limites entre a vida familiar e a vida profissional? Essa é uma pergunta que não quer calar.

Crônica de Isabel Furini publicada no ICNews.

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