sábado, 4 de fevereiro de 2012

Narigudo e estuprador (Crônica de Isabel Furini)

Eu tinha 17 ou 18 anos quando decidi fazer um curso de datilografia – ainda era a época da máquina de escrever. Procurei um lugar perto da minha casa. Ficava a seis quadras e tinha que passar por uma fábrica com um longo paredão. O lugar assustava um pouco.

Ao me inscrever, a professora disse que tinha poucas máquinas e no momento só tinha livre o horário das 8 às 9 horas, mas qualquer vaga que abrisse para as 10 ou 11 horas ela a reservaria para mim. Eu aceitei.

Minha rotina de terças e quintas era acordar, tomar banho, um café rápido e correr para o instituto de datilografia. Saía de casa às 07h45min, pois gostava de chegar cedo e pegar a melhor máquina. Era inverno, amanhecia com o céu de cor cinza escuro. Nesse horário ainda as lojas não haviam aberto e havia poucas pessoas na rua.

Esse fato não tranquilizava minha mãe, especialmente porque havia sido noticiado pela televisão que um estuprador atacava mulheres jovens e bonitas (ele é estuprador, mas não é bobo, tem bom gosto, brincavam as pessoas). Pois bem, qualquer mãe acha os seus filhos bonitos. E a minha não era diferente.

Os vizinhos só falavam do estuprador, porque uma moça de um bairro perto havia sido atacada por ele com uma faca, mas conseguiu escapar graças a um casal que estava na rua e correu para ajudá-la. Ela disse que o homem tinha uma parte do rosto coberta por uma echarpe preta e era narigudo.

– Cuide-se! Ordenava a minha mãe quando eu saía de casa. – Fique de olho, de vez em quando vire-se para observar se não está sendo seguida por alguém.

Eu caminhava pela rua olhando para os lados, às vezes virando a cabeça, e se alguém se aproximava, eu atravessava a rua. Até que em uma manhã muito escura, o céu cinza ameaçando chuva, eu caminhava atenta para o lado do muro da fábrica quando vi de supetão um homem virando a esquina.

Ele vinha na minha direção. Percebi imediatamente a echarpe preta cobrindo-lhe a boca. E o nariz enorme! Meu coração pulou do peito. Minhas pernas tremiam. Olhei para atravessar a rua, mas vinham carros em alta velocidade. Eu fiquei parada sem saber o que fazer. O homem se aproximava rapidamente. Quando estava a poucos passos de mim, colocou a mão no bolso do paletó. A imagem de uma faca se formou na minha mente. Soltei um grito e pulei da calçada para a rua, ficando ao lado do meio-fio. O homem, calmamente, tirou um lenço do bolso e assoou o enorme nariz.

* Isabel Furini é escritora e poeta premiada, autora de "O livro do escritor". Orienta oficinas no Solar do Rosário para pessoas que desejam escrever livros de contos, crônicas e romances. (41) 3225-6232.


Desenho de Gotaro.

Um comentário:

  1. O que pode a imaginação de braço dado com o medo! Uma historia bem contada!
    Beijo
    Graça

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