A sala de aula mudou. Ficou para trás aquele lugar onde as crianças escutavam passivamente os discursos dos professores. Sala de aula é hoje um lugar interativo. A educação do século XXI está voltando à verdadeira origem da palavra. Educar deriva da palavra latina educere – “aquilo que vem de dentro”. Quase um segundo nascimento.
O filósofo Lombardo Radice dizia que não nascemos humanos, tornamo-nos humanos com o processo de educação. E o verdadeiro ser humano é aquele que educa a si mesmo. Por isso, os professores precisam de acuidade estética para despertar o gosto pela arte nos educandos e guiá-los para assumirem o processo de constante autoeducação.
Uma experiência muito interessante é diversificar as aulas. Torná-las mais dinâmicas. Vivas. Vejamos as aulas de poesia. Podem acordar o lado poético dos educandos. A poesia era muito apreciada pelos gregos, eles valorizavam o poético como enigma, como verdade mítica. Em grego, Poiesis significa produzir, fazer. Hoje pode resultar estranho o sentido desse termo, pois a poesia é considerada “improdutiva” pela sociedade de consumo. Mas, para os gregos, a poesia produzia uma realidade diferente da objetiva. Para eles a poesia estava unida a uma realidade mítica (dando ao mito seu sentido original).
Uma verdade mítica é aquela que nunca foi, mas que sempre é. Pode parecer um paradoxo, mas o mito não é uma verdade histórica, é algo que sempre acontece, como o Complexo de Narciso e o Complexo de Édipo, tão falados em psicologia, baseados na mitologia grega. Esses fatos nunca aconteceram da maneira exata como foram narrados, mas podem existir sempre. Existiram, existem e existirão pessoas narcisistas, ou seja, o mito de Narciso é uma verdade que ultrapassa épocas.
Assim é a poesia: uma realidade diferente. Toca as cordas da alma, desperta a sensibilidade estética e ajuda a compreender a filosofia. A poesia nos leva pelo caminho da palavra e das ideias. Geralmente consideramos três tipos de poemas: lírico, dramático e épico. O lírico possui ritmo e musicalidade e está relacionado à música. O dramático corresponde à fala através de diálogos em conflitos interiores ou sociais e está relacionado ao teatro. Já o épico refere-se a batalhas e guerras. COMO ENSINAR POESIA PARA CRIANÇAS?
As aulas de poesia para crianças devem ser lúdicas. Será necessário fazer ênfase nos efeitos de sonoridade, de cores, de imagens, de movimento. O importante é que a criança inicie o processo sem limitações, sem bloqueios. Paradigmas rígidos tolhem a criatividade. O professor deverá ser paciente, pois nem todos os alunos terão habilidade poética. A finalidade das aulas não é formar poetas, mas despertar o espírito poético. Orientar os alunos para que possam perceber a poesia e (para que possam também) exprimir o sentido estético que os ajudará a crescerem como seres humanos, a realizarem-se como pessoas.
A poesia para crianças pode começar com “jogo de palavras”. O educador coloca uma lista de palavras que possam rimar e deixa que os alunos escolham livremente.
Por exemplo: Arminho – Burburinho – Carinho – Adivinho – Ninho – Cozinho – Pergaminho - Espinho - Padrinho – Cavaquinho - Passarinho – Sobrinho – Alinho – Anjinho – Armarinho - Engatinho – Desalinho – Marinho - Moinho – Pinho – Focinho – Colarinho.
Ainda que os trabalhos sejam simples como: “O gatinho pisou um espinho”, ou: “O passarinho está no ninho”, o professor não julgará os poemas, só estimulará a produção poética. Aos poucos, as crianças vão se encantando com a sonoridade das rimas e com a possibilidade de criar poemas. O educador precisará de muita paciência e de bom humor. Quando eu era estudante, um professor de matemática, ainda jovem, mas careca, solicitou aos alunos que escrevessem o que achavam dele como professor. Alguns colocaram elogios, outros criticaram. Mas teve um aluno que escreveu: “Céu sem nuvens / ninho sem pássaros / cabeça sem cabelo”.
Os colegas riram, o professor ficou zangado e o criativo poeta foi encaminhado à diretoria. Mas não podemos negar que ele foi criativo.
A poesia contribui para estimular a criatividade, ajuda na aquisição da linguagem, enriquece o vocabulário, contribui para aumentar a sensibilidade estética, exterioriza emoções, além de desenvolver a capacidade de leitura e compreensão. EXERCÍCIOS – PRIMEIRA AULA: SENSIBILIZAR
A primeira aula deve ser quase uma brincadeira. O educador pode começar com a leitura de um poema livre ou trova. Imediatamente escreve no quadro e faz com que as crianças leiam em coro duas ou três vezes. Os alunos copiam o poema no caderno. Depois o professor assinalará algumas palavras do poema e solicitará às crianças que procurarem sinônimos ou antônimos, ou palavras que possam substituir a palavra assinalada. Ou ele mesmo proporcionará uma lista de sinônimos, antônimos e palavras afins para que as crianças utilizem as palavras de que mais gostem. Não se preocupar com aspectos teóricos como métrica.
O tom será de divertimento para que as crianças se aproximem da poesia sem medo e sem bloqueios. Nesse primeiro momento, o importante é que elas se aproximem do poema. Que apreciem a sonoridade.
Por exemplo: o professor pode trabalhar o poema da página 33 do livro “O Dr. Pingüim e a Mensagem de Santo Agostinho”, de minha autoria (escolhi um poema de minha autoria porque é preciso autorização escrita para colocar poemas de outros autores).
A Sucuri é uma cobra muito grande / que só sabe fazer ssssshhhh / A Sucuri é uma cobra muito feia / que só sabe carregar uma lancheira / Ela está nas aulas de Filosofia Mas acha que são aulas de Anatomia.
Trabalhar com algumas palavras do poema. Dar liberdade para que os alunos troquem as palavras que desejem. Por exemplo: sucuri - mudar para outro nome de cobra como Coral, Jararaca, Cascavel, Cobra Cipó; grande - procurar outra palavra como enorme, gigante, poderoso, vasto, etc., ou antônimos: pequena, mínima, anã, nanica; carregar - levar, transportar, assegurar, sobrecarregar; Anatomia - o aluno pode colocar outras matérias como Geografia, Biologia, Aritmética, etc. SEGUNDA AULA: PERCEPÇÃO
É muito importante treinar o olhar poético das crianças. Peça aos alunos que olhem pela janela. Como está o céu? Tem nuvens? Tem sol? Chove? Tem vento? Da janela dá para ver uma árvore? Um passarinho? Um inseto?
Solicitar que escrevam a experiência em um poema pequeno de duas ou de três linhas. Não exigir métrica. Depois, falar para as crianças que observem a natureza todos os dias e, se sentirem vontade, que escrevam poemas. O importante não é só escrever um poema, mas adquirir o pensar poético, a visão poética da vida. A mente se abre para a beleza, e isso também é poesia.
É importante solicitar que registrem, no mínimo, uma vez na semana, em três linhas curtas, o que eles observarem. Devem só falar do que viram, mas sem dizer: eu acho, eu vi, eu percebi, porque...
Repetimos que o propósito não é só inventar um poema, mas adquirir o pensar poético, a visão poética da vida, despertar a sensibilidade estética.
Isabel Furini é autora da coleção “Corujinha e os Filósofos”, da editora Bolsa Nacional do Livro, de Curitiba.
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