No sábado, minha amiga Giovanna ligou. Uma amiga dela, da época de faculdade, que morava no interior, estava de visita e podíamos almoçar juntas, ir ao shopping e ao cinema. Quase ao meio-dia nos encontramos no shopping e a amiga de minha amiga começou pegando “duro” já no início de conversa. -Você é de Buenos Aires? Eu gostaria tanto de conhecer essa cidade, mas nunca se sabe se um argentino é confiável. Depois de uma primeira frase pouco simpática, eu sabia que a mulher não era flor que se cheira. Caminhamos pelo shopping e entramos numa loja. A mulher fez piadas grosseiras com a atendente. Disse que precisava ver como a blusa ficava e obrigou-a a experimentá-la sobre a roupa, tudo com muito riso e algazarra, ou seja, fez aquele barraco que curitibano odeia mesmo!
Fomos almoçar e ela implicou com a garçonete, realmente eu nem lembro o porquê, parece que a moça tinha acento gaúcho. Depois perguntou: - Tem vinho argentino? Mas não traga para mim, porque os vinhos de lá são uma porcaria. Olhou-me e inquiriu: - Por que os vinhos chilenos são melhores? Respondi que não sabia, que podia ser o tipo de uva. Ela retrucou: - Na Argentina tudo é ruim, até o solo! Terminamos de almoçar e entramos no cinema. Por sorte, foram duas horas de filme.
Ao sair Giovanna me deu carona. Então veio o assunto da morcela: - Na Argentina comem morcela? - perguntou e eu já sabia que vinha alguma frase agressiva. Alguns comem, eu gosto da morcela de lá porque é muito bem temperada e fortalece contra anemia. Mexeu-se no banco do carro e quase gritou: - Nheca! Morcela é horrível!
- Você come carne de porco? Come peixe? - perguntei.
- Sim. - respondeu.
- Pois alguns povos não comem porco, e em alguns países africanos não se come peixe, mas é por motivo religioso, e isso deve ser respeitado. Mas você não gosta da morcela porque é simplesmente preconceituosa.
- Eu, preconceituosa?!!!
- Sim, muito preconceituosa! - gritei com raiva.
Ficou em silêncio. Por fim, silêncio!!! Graças a Deus a matraca calou, pensei. Ao despedirmos, ela disse que seu sonho era visitar Buenos Aires. Pensei sobre o porquê da atitude dessa pessoa. Lembrei-me de um tango que diz: “Como juega el gato maula con el mísero ratón”. (Como brinca o gato covarde com o mísero rato).
Esse é o princípio do bullying. Só que eu não sou gato, nem sou rato, minha atitude é mais parecida com a de cachorro que rosna. Ao final, penso que não temos por que suportar tanta agressividade disfarçada de diversão.
Eu prefiro o lema: Viva e deixe viver, muito bem sintetizado numa dedicatória que li num livro de Leslie Cameron-Bandler: “Agradeço a meus pais que me ensinaram a ficar de pé, sem necessidade de pisar nos pés dos outros”.
Crônica de Isabel Furini publicada no ICNews. Isabel Furini é escritora e palestrante. Autora de “O livro do Escritor” da editora Instituto Memória.
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