O leitor de contos clássicos sentirá falta de alguns elementos descritivos como detalhes do cenário, retratos de personagens e nomes que identifiquem esses personagens. Talvez Valente escolheu essa forma narrativa porque vivemos numa época de massificação, onde os nomes não diferenciam as pessoas. Os seres humanos se unem ou se separam por gostos e desgostos, por situações (algumas fortuitas), por parâmetros, ideologias, costumes, hábitos, enfim, o homem contemporâneo é talvez o mais solitário, o mais incompreendido, e, ao mesmo tempo, aparentemente o mais semelhante aos semelhantes – o efeito colateral da tão desejada igualdade. E esse olhar da condição humana pode ser percebido no livro.
A ironia, a monotonia, o cansaço, o “abacaxi” que aparece em qualquer situação, são focados pelo escritor. Edson Valente não está preocupado em descrever o espaço, mas em mostrar aspectos da vida das pessoas. Ele tampouco cria tipos, mas assinala características da forma de viver e de ser do homem contemporâneo e o transforma como o personagem do excelente conto Plano de previdência, um daqueles contos que se lê várias vezes, e em cada leitura podemos encontrar novos detalhes interessantes. Na história o homem se transforma em um ventríloquo mudo. Magnífico oximoro!
Vejamos um fragmento de Plano de previdência: “E, em um certo dia, o ventríloquo ficou mudo. De tanto fingir distanciamento, perdeu o movimento. Confundiu- se, parou de dirigir e de interpretar. Não se esforçou nem mesmo antes de se firmar na série, ser aclamado pelo público e, assim, tornar-se imprescindível para os produtores.”
Valente desenvolveu no jornalismo a capacidade de observação, de ver detalhes, situações. Sua linguagem é altamente literária e seu campo de expressão é a metáfora. O uso da metáfora como forma de olhar os acontecimentos, o mundo, torna algumas partes do livro altamente líricas, mas sem cair em pieguices, pois os assuntos quotidianos vistos com um olhar singular não permite esse tipo de quedas.
Em Refluxos encontramos críticas certeiras e irônicas, como, por exemplo, “Adotou um papel para o qual se adequava perfeitamente – e, tarde demais, descobriu que era, em essência, aquele papel.”
A metáfora já está no nome Refluxos – (vejamos fragmentos do conto Inanição): “Ele fica pesado, uma má digestão crônica, e começam a sair umas substâncias viscosas de sua boca (...). Até que um dia tudo escapa de uma vez, em uma só golfada. Um soco duro e impiedoso, e depois do atordoamento inicial tentamos recuperar o equilíbrio e conter aquele vazamento, ver se ainda dá para segurar alguma coisa, um naco que seja, um naco de coisa alguma, uma beirada de qualquer lembrança, uma luz diferente, um brilho de fim de tarde, algum resto de calor. (...) E aí, então, o vazio final...”
Se o autor escolhe a metáfora para falar do mundo, podemos dizer que ao perceber frases como essas: “E aí, então, vazio final...” lembramos-nos de A Náusea do existencialista francês Jean-Paul Sartre. Evidentemente os dois livros não se relacionam no estilo, nem no tempo, mas tem sim um ponto de vista semelhante. Sartre, no romance A Náusea, constrói seu romance filosófico a partir dos sentimentos e da observação de ações banais de Antoine Roquentin. Refluxos convida o leitor a entender os refluxos, náusea, vômito, cansaço da vida que parece sem sentido. O livro se refere a um refluxo, vômito de todas as coisas que poderiam ter sido boas e não foram.
No conto O cachorro entrou na igreja: “Lá de dentro, muita luz, uma barricada de pennies, de cálices dourados, de casais repetindo “sim” incessantemente e outros tombando, juntos, depois de sorverem taças de licor de cicuta”.
No conto Mausoléu, “Enquanto eu mesmo não me tornar uma carcaça nauseante, algo estará resguardado. Minha memória mantém com fervor o local onde enterrei o tesouro, marquei um “x” ao pé de uma árvore frondosa que viverá bem mais que nós dois juntos”.
Refluxos é uma boa opção para ler, curtir e pensar.
A metáfora já está no nome Refluxos – (vejamos fragmentos do conto Inanição): “Ele fica pesado, uma má digestão crônica, e começam a sair umas substâncias viscosas de sua boca (...). Até que um dia tudo escapa de uma vez, em uma só golfada. Um soco duro e impiedoso, e depois do atordoamento inicial tentamos recuperar o equilíbrio e conter aquele vazamento, ver se ainda dá para segurar alguma coisa, um naco que seja, um naco de coisa alguma, uma beirada de qualquer lembrança, uma luz diferente, um brilho de fim de tarde, algum resto de calor. (...) E aí, então, o vazio final...”
Se o autor escolhe a metáfora para falar do mundo, podemos dizer que ao perceber frases como essas: “E aí, então, vazio final...” lembramos-nos de A Náusea do existencialista francês Jean-Paul Sartre. Evidentemente os dois livros não se relacionam no estilo, nem no tempo, mas tem sim um ponto de vista semelhante. Sartre, no romance A Náusea, constrói seu romance filosófico a partir dos sentimentos e da observação de ações banais de Antoine Roquentin. Refluxos convida o leitor a entender os refluxos, náusea, vômito, cansaço da vida que parece sem sentido. O livro se refere a um refluxo, vômito de todas as coisas que poderiam ter sido boas e não foram.
No conto O cachorro entrou na igreja: “Lá de dentro, muita luz, uma barricada de pennies, de cálices dourados, de casais repetindo “sim” incessantemente e outros tombando, juntos, depois de sorverem taças de licor de cicuta”.
No conto Mausoléu, “Enquanto eu mesmo não me tornar uma carcaça nauseante, algo estará resguardado. Minha memória mantém com fervor o local onde enterrei o tesouro, marquei um “x” ao pé de uma árvore frondosa que viverá bem mais que nós dois juntos”.
Refluxos é uma boa opção para ler, curtir e pensar.
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