sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Cocô de Cachorro - Crônica


CRÔNICA:  COCÔ DE CACHORRO

O ilustre professor Jairo, PHD em Literatura, estava confortavelmente sentado em sua poltrona de couro, diante do computador. Pela porta entreaberta podia-se ver a mesa de jantar e a estatua de mármore no canto da sala. Às 19 horas em ponto, iniciou-se uma conferência via internet para estudantes da área de Letras.

O professor Jairo começou dando uma visão do mundo globalizado. Na continuação o discurso focou a literatura contemporânea, os aportes de Proust e de Kafka. Depois ele fez uma breve referência à literatura de massa e, de repente, falou com ênfase: Tenho que terminar porque vejo cocô sobre a mesa.

O que será que o professor Jairo quis dizer? – perguntou um estudante de óculos. Imediatamente surgiu uma discussão. Uns achavam que o Dr. Jairo havia tentado provocar a imaginação e o debate; outros, que havia feito uma crítica social, o mundo havia se transformado em cocô de cachorro; outros ainda defendiam a tese de que “cocô sobre a mesa” referia-se a novas correntes de literatura popular que invadem o mercado, os terríveis best-sellers.

Enquanto a discussão prosseguia, o famoso professor Jairo com uma pequena pá recolhia o cocô do cachorro reclamando de Fofinho, o filhote de pequinês. Ele fazia cocô em qualquer lugar.

No dia seguinte, em blogs, sites e até em alguns jornais era discutida a teoria “cocô de cachorro sobre a mesa”.

– Isso quer dizer que os maus literatos não ocultam o “cocô literário”, porque morreu a verdadeira crítica literária, bramavam os mais radicais.

            O professor Jairo foi entrevistado na televisão, e quando perguntaram: O que realmente você quer dizer com essa crítica tão contundente à literatura atual falando de “cocô de cachorro sobre a mesa?”. Sabiamente o professor Jairo tentou não sorrir e, depois de um silêncio profundo, disse: Deixarei que cada pessoa tire as suas próprias conclusões.

 * Isabel Furini é escritora, palestrante e poeta.
Essa crônica foi publicada no Jornal Indústria e Comércio (Curitiba) em 30 de maio de 2011.

Fotografia de Isabel Furini

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