quarta-feira, 27 de abril de 2011

Refluxos, de Edson Valente












O autor publica seu primeiro livro de contos, Refluxos (Ateliê editorial, 2010, 80 páginas), porém não se trata de um iniciante, pois Valente já tem seu estilo bem definido. É um estilo moderno, com colocações sutis e comentários irônicos.





O leitor de contos clássicos sentirá falta de alguns elementos descritivos como detalhes do cenário, retratos de personagens e nomes que identifiquem esses personagens. Talvez Valente escolheu essa forma narrativa porque vivemos numa época de massificação, onde os nomes não diferenciam as pessoas. Os seres humanos se unem ou se separam por gostos e desgostos, por situações (algumas fortuitas), por parâmetros, ideologias, costumes, hábitos, enfim, o homem contemporâneo é talvez o mais solitário, o mais incompreendido, e, ao mesmo tempo, aparentemente o mais semelhante aos semelhantes – o efeito colateral da tão desejada igualdade. E esse olhar da condição humana pode ser percebido no livro.

A ironia, a monotonia, o cansaço, o “abacaxi” que aparece em qualquer situação, são focados pelo escritor. Edson Valente não está preocupado em descrever o espaço, mas em mostrar aspectos da vida das pessoas. Ele tampouco cria tipos, mas assinala características da forma de viver e de ser do homem contemporâneo e o transforma como o personagem do excelente conto Plano de previdência, um daqueles contos que se lê várias vezes, e em cada leitura podemos encontrar novos detalhes interessantes. Na história o homem se transforma em um ventríloquo mudo. Magnífico oximoro! Vejamos um fragmento de Plano de previdência: “E, em um certo dia, o ventríloquo ficou mudo. De tanto fingir distanciamento, perdeu o movimento. Confundiu- se, parou de dirigir e de interpretar. Não se esforçou nem mesmo antes de se firmar na série, ser aclamado pelo público e, assim, tornar-se imprescindível para os produtores.”

Valente desenvolveu no jornalismo a capacidade de observação, de ver detalhes, situações. Sua linguagem é altamente literária e seu campo de expressão é a metáfora. O uso da metáfora como forma de olhar os acontecimentos, o mundo, torna algumas partes do livro altamente líricas, mas sem cair em pieguices, pois os assuntos quotidianos vistos com um olhar singular não permite esse tipo de quedas.

Em Refluxos encontramos críticas certeiras e irônicas, como, por exemplo, “Adotou um papel para o qual se adequava perfeitamente – e, tarde demais, descobriu que era, em essência, aquele papel.”

A metáfora já está no nome Refluxos – (vejamos fragmentos do conto Inanição): “Ele fica pesado, uma má digestão crônica, e começam a sair umas substâncias viscosas de sua boca (...). Até que um dia tudo escapa de uma vez, em uma só golfada. Um soco duro e impiedoso, e depois do atordoamento inicial tentamos recuperar o equilíbrio e conter aquele vazamento, ver se ainda dá para segurar alguma coisa, um naco que seja, um naco de coisa alguma, uma beirada de qualquer lembrança, uma luz diferente, um brilho de fim de tarde, algum resto de calor. (...) E aí, então, o vazio final...”

Se o autor escolhe a metáfora para falar do mundo, podemos dizer que ao perceber frases como essas: “E aí, então, vazio final...” lembramos-nos de A Náusea do existencialista francês Jean-Paul Sartre. Evidentemente os dois livros não se relacionam no estilo, nem no tempo, mas tem sim um ponto de vista semelhante. Sartre, no romance A Náusea, constrói seu romance filosófico a partir dos sentimentos e da observação de ações banais de Antoine Roquentin. Refluxos convida o leitor a entender os refluxos, náusea, vômito, cansaço da vida que parece sem sentido. O livro se refere a um refluxo, vômito de todas as coisas que poderiam ter sido boas e não foram.
No conto O cachorro entrou na igreja: “Lá de dentro, muita luz, uma barricada de pennies, de cálices dourados, de casais repetindo “sim” incessantemente e outros tombando, juntos, depois de sorverem taças de licor de cicuta”.

No conto Mausoléu, “Enquanto eu mesmo não me tornar uma carcaça nauseante, algo estará resguardado. Minha memória mantém com fervor o local onde enterrei o tesouro, marquei um “x” ao pé de uma árvore frondosa que viverá bem mais que nós dois juntos”.

Refluxos é uma boa opção para ler, curtir e pensar.


Essa resenha, de minha autoria, foi publicada no ICNews, em 03/02/2011.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

VIVÊNCIAS












Dedicado ao poeta Claudio Daniel.
Ele escreve poemas a partir de mantras.



(Om Lakshmi pataye namaha)

Palavras serpenteiam no vento entre ondas e incenso.
Sabores naufragam
no prisma da memória.

Nada escurece as lembranças de experiências
(antigas e futuras),
torrentes de emoções acordam
(e dançam),
clareia a noite cinzelada em rochas de palavras
(mantras)
clandestinos afetos invadem o castelo da alma
e a deusa dança sua dança
(infinita).

Om Lakshmi pataye namaha.

sábado, 9 de abril de 2011

2º CONCURSO DE POESIA POETIZAR O MUNDO

2º CONCURSO DE POESIA “POETIZAR O MUNDO” – Modalidade: Indriso. Organizadora: escritora e poeta Isabel F. Furini. 1) O Concurso de Poemas tem como objetivo estimular a produção literária e é destinado a todas as pessoas maiores de 18 anos que apresentam um poema INDRISO inédito escrito em português. 2) O tema é livre e a inscrição é gratuita e poderá ser feita até 10 de junho/2011. 3) Cada concorrente poderá participar com apenas um Indriso inédito (ou seja, ainda não impresso nem publicado na internet), que não tenha sido premiado em outro concurso. 4) Consideram-se inscritas as obras enviadas pelo e-mail à: isabelfurini@hotmail.com Concurso de Poesia: “Poetizar o Mundo”, no corpo do e-mail, sem anexo, escrito em língua portuguesa, digitado em espaço 2 (dois), com fonte Arial, tamanho 12 (doze). 6) Deverá constar no final: o título do poema, nome completo do autor, seu endereço, telefone, RG, e 4 ou 5 linhas de currículo. 7) A comissão julgadora será composta pelo escritor e psicanalista Marco Antônio Araújo Bueno (editor do blog De Chaleira), Isabel F. Furini (escritora e poeta, autora de “O Livro do Escritor”). 8) Premiação: O primeiro lugar receberá troféu e diploma, o segundo e terceiro lugares receberão diplomas, e poderão ser escolhidas até três Menções Honrosas que também receberão diplomas. 9)O resultado do concurso será divulgado em site literários da Internet, e blog: http://www.isabelfurini.blogspot.com/ no blog Falando de Literatura do Bonde News e De Chaleira, http://e-chaleira.blogspot.com 10) O resultado será divulgado até 1º de Agosto/11. Na ocasião, também será homenageado com placa comemorativa o poeta Isidro Iturat, criador da modalidade poética Indriso. O INDRISO é formado por 2 tercetos e 2 monósticos, num total, portanto, de 08 versos, com métrica e rimas livres. Mais informações sobre o indriso no site: http://www.indrisos.com/ 11) O encaminhamento dos trabalhos na forma prevista neste regulamento implica concordância com as disposições nele consignadas. * Informação: Os ganhadores do primeiro concurso “Poetizar o Mundo” foram: 1º Verso-Mundo - André Luiz Caldas Amôra 2º Não tenho tempo - Robinson Silva Alves 3º Novas Dimensões - Luiz Gondim de Araújo Lins Menções Honrosas 4. Miragens – Tatiana Alves 5. Não sei Rimar - Denivaldo Piaia 6. Poetizar o Mundo - André Telucazu Kondo 7. Escrever faz parte disso - Angela NedjaBerg Ceschim Oiticica 8. Aos que virão... Benilson Toniolo ***

terça-feira, 5 de abril de 2011

Ele não me ama (conto)

Não fui convidada, mas estou aqui, observando-o.

Ele vai até a janela, apoia-se no parapeito e olha para fora. Os ruídos dos motores dos carros e ônibus que trafegam pela Alameda Cabral invadem a sala (estamos no primeiro andar). A subida força os motores e o ruído é mais intenso. Há também sons incômodos de buzinas. No quarto só ele e eu. Ele continua a olhar pela janela. De repente, levanta o braço esquerdo e acena com sua mão sem a aliança (a mão direita segura o copo). Ele mostra o copo e faz sinal para que o outro suba.

Na calçada, perto do ponto de ônibus, de camisa listrada e barba sem fazer, um amigo está olhando para cima. Solta uma gargalhada e faz um gesto de negação com a mão aberta enquanto grita: Minha namorada me espera...

Ele caminha até a cozinha, abre a porta da geladeira e, com ar de satisfação, enche novamente o copo. Finge que não estou lá perto dele. Esparrama-se na poltrona verde e liga a televisão. Não quer me olhar, continua fingindo que eu não estou do seu lado. Assiste, sem interesse, a uma das tantas séries policiais sem imaginação - programas imbecis, murmura - e eu olho para ele, esperando que desligue a televisão. Mas não, ele muda de canal.

Será que ele sente prazer em me ignorar? Será que gosta de pensar que fui para sempre? Seu tolo! Adeus, falou quando começou o namoro com a loira falsificada que vendia semijoias. Adeus, disse-me novamente quando namorou a enfermeira com excesso de quilos nos quadris e cabelo avermelhado. Adeus, insistiu quando trabalhava no banco e ficava no bar com o grupo de colegas até duas ou três horas da manhã. Adeus, murmurou quando se apaixonou pela psicóloga de olhos azuis. Adeus, sorriu enquanto dava uns amassos numa mulata que conheceu em um baile de carnaval. Adeus, quando namorou a japonesinha meiga da pastelaria da esquina. Adeuses intermináveis. Adeus, falou pela última vez há duas semanas, no balcão, quando começou a namorar a professorinha da escola estadual do bairro. Mas eles brigaram e eu estou aqui outra vez. Mesmo assim ele me ignora, finge que eu não estou. Permanece sentado na poltrona verde. O que ele espera? Ah! Quer me mandar embora! Gosta de fingir, o safado. E não é o único, não! Homens gostam de demonstrar que são populares. Amados pelas mulheres. Vaidade machista. Porém, não adianta me ignorar, eu sou tenaz.
Ele se levanta preguiçosamente, caminha até a geladeira e pega duas latinhas. Bebe e assiste TV. Bebe a segunda. Traga o líquido com mais rapidez. Outra vez se desloca a passos lentos até a geladeira, mais um copo cheio. Muda de canal. Olha o telefone. O telefone não toca. Ah! Ele está esperando uma ligação. É isso. Lentamente se levanta, deixa a latinha sobre a mesa, pega o telefone e liga para alguém... Dá para escutar a secretária eletrônica, mas ele não deixa recado. Finge que eu não estou. Procura outra cervejinha. Seu caminhar é desengonçado (pode ser o efeito da cerveja). Recosta-se no sofá e pega um jornal do chão enquanto muda os canais.
Eu continuo aqui, olhando-o. Por fim, ele não pode mais me ignorar. Desliga a TV e grita: Que merda! A solidão é minha única companheira. Ah! Finalmente falou meu nome. Obrigada! Muito obrigada!


Epílogo
Eu sou a única companheira que fica quando todos o abandonam. Eu não sou um vento que passa, como alguns pensam. Eu sou uma vibração que ecoa no instante do nascimento e o acompanhará na jornada, até a morte. Sou uma vibração bem próxima da tristeza e do abandono. Uma vibração baixa que se estende desde os pés até o ventre, os ombros, os braços, os ouvidos e os olhos. Uma vibração que contrai o tórax e faz descer a cabeça. E não importa se você tem cargos, títulos, honrarias. Eu enfraqueço os homens. Torno-os crianças desamparadas. Nem tentem fugir de mim, porque eu sou persistente. Na rua, na cama, diante do computador, ao fechar o livro, ao sair do cinema, ao dirigir o carro, em algum lugar você vai pronunciar meu nome. Vai, sim... Em algum momento você vai dizer: Solidão!

Do Livro: "Ele e outros contos" de Isabel Furini
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segunda-feira, 4 de abril de 2011

ARANHA TRIUNFANTE (Crônica de Isabel Furini)

Janine, a avó do Albertinho, decidiu pintar o apartamento. Ligou para sua filha Marli. A filha, muito carinhosa, disse:
– Mãe, você pode morar na minha casa enquanto pintam seu apartamento.

Janine juntou suas coisas, colocou numa mala, pegou um táxi e foi morar por um tempo na casa da filha.
Na terceira noite na casa da filha, Janine entra no quarto e acende a luz. Gritos de terror. Uma aranha! Uma aranha!

Janine e Marli tentaram matar a aranha que corria com rapidez pela parede. Até que a filha bateu nela com a vassoura, e a aranha caiu no chão, ao lado da cama. Antes de conseguir matá-la, o aracnídeo escondeu-se embaixo da cama. Albertinho observava com olhos arregalados.

– Eu não durmo neste quarto... – falou Janine para a filha.
– É muito perigoso, mamãe...
– Sim, prefiro dormir na sala. Rafaela pegou lençóis, cobertor e travesseiro e ajudou a mãe a acomodar-se no sofá da sala.

No dia seguinte, às sete horas da manhã, Daniel, o pai de Albertinho, que trabalhava em horário noturno, chega com um colega para tomar o café da manhã. Deixa o carro na garagem e falando sobre assuntos da empresa entra na casa. Escuta um ronco semelhante a uma serra cortando uma árvore e da alguns passos em direção ao sofá. Observa a sogra – sem entender porque ela invadiu a sala. A sogra ronca estrondosamente abraçada ao travesseiro, e com uma perna fora do cobertor.

Olhou para o colega, encabulado.
– Ela não tem quarto para dormir? – perguntou Lourenço.
– Tem... não sei o que aconteceu... – respondeu o pai de Albertinho.

Nesse momento desce a escada Albertino ainda de pijama azul e com carinha de sono. O menino apressou-se a
explicar a situação:
– Minha avó tem quarto, sim senhor, só que ontem à noite ela lutou com uma aranha. Lutou e perdeu. Então, aranha ficou com o quarto e minha avó teve que dormir na sala.

– Este menino vai ser escritor – disse Lourenço rindo.

Isabel Furini




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